sábado, 7 de junho de 2008

Sobre dedos, máscaras e discursos

A maioria das pessoas com quem convivo não compreende a relação que mantenho com meus textos. Elas acham que sou meio culpada por não escrever fatos do dia-a-dia. Alguns colegas pensam que tenho um texto romantizado, pouco objetivo para a objetividade com que lidam com a vida – e a morte, é bom lembrar.

Coitados. Nenhum deles sabe, a fundo, a sina que vivencio. Não entendem que sinto as palavras, que me alimento delas, que sofro e me deleito com cada piscada do ponto e vírgula... Mal sabem que elas balbuciam e me convencem quando bem entendem.

Desavisados, pontuam minha postura como se fosse um simples perfil profissional e ainda zombam da criticidade aparentemente afastada. Não percebem que sou uma escrava da palavra solta. Defensora involuntária das expressões espontâneas.

Duvidam desses dedos andantes e completamente conchavados com os verbos, os adjetivos sequinhos e os substantivados. E mais: comprometidos com o dizer dos esquivados, o rancor dos mal-amados e o delírio dos apaixonados. Pilantrinhas, eles ganham ânimo com o simples toque dos teclados e se felicitam por me tomar inteiramente. É assim que também tomam para si a verdade que está em mim – e em você.

Para dizer a verdade, eu mesma ainda tento entender. O fato é que a escrita que flui de mim é muito íntima comigo. Por isso, costumo travar quando tento esconder algo de mim ou quando estou com algo engasgado ou mal-resolvido.

Vem sendo assim nos últimos meses... Quando busco falar de amenidades num momento em que fervilho angústias. Quando vejo meu país tratar mal os velhos produzidos por um sistema que alonga a sobrevivência (e não necessariamente a vida). Quando me estupefata o preço da morte! Quando vejo crianças em número cada vez maior nas esquinas da cidade que adotei como lar, mendigando o tal alimento que no papel lhes é concedido como direito.

Quando vejo - estarrecida – profissionais credenciados para proteger direitos como este fazerem vistas grossas para a exploração infantil e se divertirem em noite de plantão, dando “carteiradas” em portarias de bares com a desculpa de verificar se o ambiente está respeitando o ECA. Eca!

Mas não passa de hipocrisia, dizer coisas politicamente corretas, fazer alertas, criticar autoridades e mesmo reconhecer o quanto somos – todos – covardes por vivermos nossa vidinha, trocarmos de carro, comprarmos nosso pedaço de terra e, de vez em quando, darmos uma esmolinha ou “fazermos nossa parte” cuidando de uma horta escolar ou adotando uma praça...Se não fizermos a diferença.

Talvez seja por isso que travo. Travo quando digo "tudo bem, não tem problema" para quem gostaria de dizer: "peraí, você não tem coração, não tem ética?".
Travo quando cumprimento educamente pessoas que gostaria apenas de atropelar. Engasgo quando bem na hora "h" tropeço na palavra certa e dou uma desculpa qualquer. Travo quando fico no salto, embora a vontade maior seja exatamente "dar um barraco". Travo com a miséria humana. Travo com o hipocrisia. Travo com o discurso falso... Com a embalagem anunciada e a falta de conteúdo.

Os dedos enrijecem. Silenciam. O teclado parece virótico. Os olhares alheios se fecham ocupados. Não passam mais a vista em palavras desesperançosas. Querem o riso. Preferem os dentes falsos às lágrimas desmascaradas. O alarde à reflexão. E, por isso, os amigos, aqueles críticos diários, repetem os velhos modelos. Reproduzem discursos e levantam hipóteses. É disso que vivem!

3 comentários:

Shirley Suely disse...

Menina, que texto bonito, quanta poesia nessa sua alma!!
Obrigada, meu dia hoje vai ser mais feliz depois de ter te lido!!
e um grande abraço para ti!

ESA disse...

Querida! Que bom ter notícias suas... Apareça, hein...Bjs!

Anônimo disse...

Poesia é pouco. Amei!
Demorou, mas te achei, fujona!
Rica